quinta-feira, 16 de abril de 2009

Lugares

Lugares (II) - Mosteiro Budista Tibetano de Phuktal (Himalaias, zona do Caxemira)
Para saber mais, clique aqui. Mais fotografias do lugar e das suas imediações aqui e aqui. Sobre este lugar de oração e recolhimento existe um documentário premiado, intitulado "Himalaia, Caminho para o Céu".

Nota:

Secção do Blog, não directamente relacionada com o Convento, mas antes com lugares que - pelas suas características naturais, arquitectónicas, histórias e/ou espirituais - me recordam de certa forma Sintra e o seu cenóbio Arrábido. Para cada lugar publicarei uma imagem, retirada da Internet, e um (ou mais) link - que me pareça particularmente interessante - para que os leitores possam conhecer melhor o mosteiro, convento ou retiro em causa, e aprofundar posteriormente eventuais investigações. Relativamente a alguns lugares, poderei escrever algumas linhas.

domingo, 12 de abril de 2009

Domingo de Páscoa

"Meu Deus ... restituiu-nos à vida juntamente com Cristo quando estávamos mortos pelos nossos pecados ... e com ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus" - Efésios - 2, 4:6

"O Pai tornou-nos dignos de participar na herança dos santos da luz. Subtraiu-nos do domínio das trevas" - Colossenses - 1, 12:14

Passagens citadas na obra "O simbolismo do templo cristão", de Jean Hani (Capítulo XVI, "A Luz da Páscoa"), leitura que vivamente aconselho.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

6ª Feira Santa

"Chamando a si a multidão, juntamente com os discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que pode o homem dar em troca da sua vida? Pois quem se envergonhar de mim e das minhas palavras entre esta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos." - Evangelho de S.Marcos (8: 34-38)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Lugares

Inauguro hoje uma nova "secção" do Blog, não directamente relacionada com o Convento, mas antes com lugares que - pelas suas características naturais, arquitectónicas, histórias e/ou espirituais - me recordam de certa forma Sintra e o seu cenóbio Arrábido.

Para cada lugar publicarei uma imagem, retirada da Internet, e um link - que me pareça particularmente interessante - para que os leitores possam conhecer melhor o mosteiro, convento ou retiro em causa, e aprofundar posteriormente eventuais investigações. Relativamente a alguns lugares, poderei escrever algumas linhas.

Lugares (I) - O Ermitério de Santo António de Galamus (França)
Para saber mais clique aqui.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Passeios pedestres

Porque caminhar é um exercício físico e espiritual ímpar, e porque caminhando se observa a montanha e o que nela de encontra de uma outra forma, aconselho vivamente a consulta do Blog "Serra de Sintra, Passeios Pedestres", o qual contém uma série de sugestões de passeios a concretizar.

O Convento na publicação "Jardim Litterario" (1848)

Ilustração do pátio fronteiro ao alpendre da Portaria.
(Clique sobre a imagem para ampliar)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Uma testemunha vida do grande incêndio de 1966

Em Setembro de 1966 a Serra de Sintra foi parcialmente consumida pelo fogo. Um grande incêndio com origem na zona da Lagoa Azul/Penha Longa subiu aos píncaros da Serra, e através da zona de Vale-Flor atingiu a Tapada do Mouco e mais a ocidente o Convento dos Capuchos.

O Conventinho esteve cercado pelas chamas, mas acabou por ser poupado a uma destruição certa. O esforço humano teve nesta salvação do Convento grande importância, e nunca será de mais prestar homenagem aos homens e mulheres que tudo deram de si - incluíndo a vida - para proteger o que é de todos: o património natural e edificado da Serra de Sintra.

Diz quem lá esteve que as chamas chegaram a escassos metros do Convento, e que o famoso plátano do Terreiro das Cruzes viu alguns dos seus ramos mais longos chamuscados pelo fogo. Todavia, a principal testemunha viva dos acontecimentos de Setembro de 1966 nos Capuchos é a enorme Sequóia que se ergue dentro da cerca do Convento, não muito longe da Capelinha do Ecce Homo, ou de São Sebastião, a caminho da porta de pedra da zona mais alta intramuros.

Trata-se de uma árvore notável, uma das últimas Sequóias do Convento. Quem a observar de perto, contornando-a, verificará que na sua base ainda se encontram impressas na madeira as marcas do fogo devastador.

domingo, 5 de abril de 2009

Passatempo "descubra a diferença"

A comparação entre o Convento retratado por Burnett na sua famosa gravura dos Capuchos e a realidade actual do espaço desenhado (o Claustro) permite-nos verificar um grande número de diferenças. Todavia, o objectivo desta chamada de atenção é o de desafiar os leitores aqui do Blog a identificarem uma que é especialmente evidente. Trata-se de um "pormenor" da vista do claustro que desapareceu há uns anos, e que nunca mais foi reparado, ou recolocado.

Prometo deixar para outro texto o tratamento mais detalhado deste assunto... Para já fica o desafio de que compararem as "duas versões" da célebre gravura, identificando a única diferença decorrente da alteração que fiz na versão de baixo.

(Clique sobre a imagem para ampliar)

Um bom domingo para todos.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Frei Tomé de Torres Vedras

Se Frei Belchior de Alderete foi vítima da Peste de 1579-1580, Frei Tomé (ou Thomé) de Torres Vedras padeceu naquela a que chamaram "Grande", e que entre 1569 e 1570 ceifou apenas na cidade de Lisboa cerca de 60.000 vidas (1).

Dois documentos referem a sua vida, mas para já tratarei apenas de um deles: o Agiológio Lusitano.

Sobre Frei Tomé se sabe que nasceu em Torres Vedras, e que em Sintra era frade franciscano arrábido. Na Serra viveu uma vida muito santa, dizendo-se que da sua boca "nunca saïo palavra ociosa". Praticava pois o silêncio na sua mais alta significação, aquela tão bem definida por Denis Labouré no seu "Alquimia Cristã": "A tradição prescreve o silêncio, mas seria errado ver aí um verdadeiro voto de silêncio. Calar-se quer dizer falar dentro de limites bem definidos. O homem deve dizer o que deve, quando o deve e a quem deve".

Por tanto de dedicar aos "apestados" da Vila de Sintra viu-se ferido por esta enfermidade, e veio a falecer no dia 27 de Janeiro de 1570.

Segundo o Agiológio Lusitano, as últimas palavras que proferiu ao Companheiro que o assistia foram as seguintes: "Meu senhor Iesu Christo, a quem servi, me fez particular favor de me apparecer crucificado, & com tam estreitos nós de amor atou minha alma com sua divindade, que nem as dores, que padeço, nem todas as do mundo me poderaõ apartar hum ponto delle".

Brevemente tratarei daquilo que sobre Frei Tomé se escreve na Crónica da Arrábida.

Notas:

(1) - "A peste, que nunca antes existira na Península Ibérica, voltou a Portugal várias vezes até ao fim do século XVII, ou seja sempre que nasciam suficientes novos hóspedes não imunes. Nenhuma foi nem remotamente tão devastadora como a primeira (1348), mas a Grande Peste de Lisboa em 1569 terá matado 600 pessoas por dia, ao todo 60000 habitantes da cidade terão sucumbido. A última grande epidemia foi em 1650" - da Wikipedia.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Frei Belchior de Alderete

Quando no final da década de 70 do século XVI a peste começou a dizimar vidas na zona de Lisboa e arredores, um frade arrábido castelhano que integrava a comunidade de Sintra acorreu em auxílio à população de Torres Vedras, e naquela antiga e importante vila protagonizou um milagre de que dão conta a Crónica da Arrábida (Tomo I) e o Agiológio Lusitano (Tomo II).

O seu nome era Frei Belchior de Alderete, um homem de "compleiçaõ fraqua, & forças limitadas", que fez da sua fé um instrumento de Deus ao serviço dos homens.

Frei Belchior morreu a 12 de Abril de 1579, e encontrou a sua última morada na Ermida de São João de Torres Vedras, a qual hoje se encontra incluída no Cemitério de São João que serve a cidade torreense.

Dele se diz ter salvo muitas vidas quando desesperados pelos efeitos da peste, alguns de Torres Vedras se voltaram para este Santo Padre. A todos pediu paciência, "porque elle só pagaria por todos". A promessa foi cumprida, já que Frei Belchior acabou por falecer, ao passo que "todos os mais feridos convaleceraõ, e trunfaraõ do pestifero castigo, publicando deverem este beneficio aos merecimentos deste fiel, e amado Servo de Deos".

sábado, 28 de março de 2009

Sobre o Hábito e Calçado dos Arrábidos

Mas os outros frades que prometeram obediência tenham uma túnica com capuz e outra sem capuz, se for necessário, e o cíngulo e as bragas. E todos os frades vistam-se de roupas vis e possam remendá-las com sacos e outros retalhos com a bênção de Deus, porque diz o Senhor no evangelho: "Os que estão em vestes preciosas também estão em delícias" (Lc 7,25) e "os que se vestem de moles estão nas casas dos reis" (Mt 11,8)."

Da Regra não-bulada da Ordem de São Francisco.

Um dos elementos identificativos e mais simbolicamente explícitos dos franciscanos era o seu hábito. Os hábitos franciscanos eram o mais visível dos elementos simbólicos transportados pelos frades, sendo denunciadores da "santa pobreza, vileza e desprezo do mundo" característica da ideia e devoção original da Ordem, e mais tarde de algumas das suas diversas matizes.

O Estatuto da Provincia da Arrabida, de 1693, contém obviamente um capítulo inteiramente dedicado a este tema (Capítulo XXV - Dos Habitos & Calçado), o qual refere alguns aspectos bem interessantes relacionados com o código de vestuário dos frades.

Começa por distinguir o frades saudáveis daqueles que estejam enfermos, permitindo a estes últimos confortos adicionais, o que é comum a outros aspectos desenvolvidos nos Estatutos, acrescentando logo em seguida que se permitirá aos frades manterem os seus hábitos remendados com recurso a panos grossos de sacos, portanto incómodos e em jeito de penitência e louvor da santa pobreza evangélica.

(Para aceder à fonte da imagem clique aqui)

A propósito, é interessante notar que este costume - originário da necessidade de ir mantendo o hábito em condições de ser usado - resultava em trajes multicoloridos, mais tarde proibidos por uma revisão das disposições estatutárias da Ordem. Lendo o capítulo dedicado a Fr. Honório de Santa Maria, contido na Crónica da Província, verificamos que de facto assim era: "Para mayor lustre da sua observancia, naõ tinha cousa alguma do seu uso, mais que o Habito, taõ vil, como composto de pedaços de varias cores, taõ estreito, que mal o podia vestir, e taõ curto, que apenas lhe chegava aos artelhos dos pés, e pulsos dos braços".

A cada frade eram concedidos "dous pannos menores", que deveriam atacar à cintura com uma corda de "cayro grossa, como costume da provincia". Os panos deveriam acompanhar todo o corpo, e ficar - no comprimento - a um ou dois dedos do chão. De roda deveriam ter nove a dez palmos, salvo no caso dos frades "mais corpulentos". Mandava também o estatuto que os capelos - cozidos ao hábito - tivessem a forma daqueles que usavem os Capuchos italianos. Usavam também mantos cingidos ao corpo.

A mudança de Hábito - ou seja, o pedido de um novo pano - carecia de autorização do Prelado.

No que ao calçado diz respeito, é sabido que os arrábidos deveriam observar com rigor o costume de andarem descalços, mas poderia o Irmão Ministro autorizar mediante licença in scriptis que determinado frade usasse sandálias. Sabe-se todavia que no Convento de Sintra havia quem usasse sandálias nos seus percursos externos à cerca (ex. Frei Cristovão de São José) e havia também quem fosse do Convento à Vila sem nada a proteger a pele dos pés (ex. Frei Miguel Falcão, que certo dia sofreu por esse facto uma profunda ferida num dos pés).

Nos dormitórios não se podia andar calçado, sob pena de disciplina, mas esta lei não se aplicava aos doentes ou a outros casos de necessidade.

Sobre a Província da Arrábida

Da obra "Mappa de Portugal antigo, e o moderno", pelo Padre Joaõ Bautista de Castro (Tomo II, Parte III e IV), ano de 1763.

A Penitente, e observante Provincia da Arrabida foy erecta em Portugal pelo Veneravel Padre Fr. Martinho de Santa Maria, natural de Cartagena de Levante, o qual encontrando-se na romaria de N. Senhora de Guadalupe com o Ilustrissimo D. Joaõ de Lencastre, Duque de Aveiro, seu parente, e convidado por elle para vir fundar na Serra da Arrabida, e na Ermida, que alli tinha o Duque, obtida licença do Padre Geral Fr. Joaõ Calvo, se poz em execuçaõ a nova fabrica no anno de 1539, ou 1542.

Logo se aggregaraõ Religiosos de varias partes, varões de grande penitencia, e entre elles Fr. Joaõ de Aguila, e S. Pedro de Alcantara, filhos da Provincia de S. Gabriel de Castella, e assim perseveraraõ naquelle sitio primeiro, que foy no alto da Serra, e se foraõ fundando outros Conventos de sorte, que no anno de 1545 já era Custodia, quando o Veneravel Fundador faleceo no Hospital de todos os Santos em Lisboa. Depois à instancia do Cardeal D. Henrique concedeo Pio IV a erecçaõ em Provincia no ano de 1560. Consta presentemente dos Conventos seguintes.

(Clique sobre a imagem para ampliar)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Frei Cristovão de S. José e o túmulo dos Capuchos

Um dos veneráveis Padres que passou pelo Convento dos Capuchos de Sintra, e que ali encontrou a sua última morada, foi Frei Cristovão de São José, natural da cidade de Lisboa, "vulgarmente chamado o Biltre" (epíteto pouco próprio de um franciscano arrábido "servo de Deus").

Frei Cristovão teve uma vida cheia de episódios notáveis, viajou muito (esteve na Terra Santa, em Itália - com passagem por Roma -, França e Castela) e chegou a passar pelo cárcere, antes de rumar a Sintra, onde se internou como recoleto frade do cenóbio da Serra.

Não sei ao certo em que ano nasceu, nem aquele em que morreu, mas sei que foi contemporâneo de Caetano de Melo e Castro, 36º Vice-Rei da Índia, nascido em 1680 e falecido em 1718. Assim, diria que o episódio a que aqui aludo - o da sua morte e transladação para Sintra - se terá passado já no século XVIII.

Frei Cristovão viveu na Arrábida, e dali passou para Sintra ("Relicário de toda a Ordem Seráfica pela sua pequenez, e suma pobreza..."), onde esteve pelo período de 30 anos. Diz a Crónica da Provincia que ali viveu na cela mais escura, mais húmida e mais incómoda de todas, já que a sua mediana estatura não lhe permitia sequer estender-se nela. Na Casa de Sintra todos "lhe davam venerações de Santo".

Na maior parte dos 30 anos que viveu no Convento de Santa Cruz assumiu a função de Porteiro, contactando assim frequentemente com todos aqueles que ao cenóbio se dirigiam, em particular os pobres que ali iam buscar a sua esmola.

Exemplar no cumprimento dos estatutos da Provincia, tinha como coisas do seu uso (usus pauper) apenas uma cruz de pau que guardava na cela, dois panos menores ("que conservava há anos a poder de remendos") e dois lenços. Interessante notar que de acordo com a crónica fumava, mas não à vista dos seculares. Outros textos, posteriores a este de 1737, referem outros frades fumadores do Convento, e até um guarda meio-ermitão que já depois de 1834 ali morava, de seu nome António.

Conta a Crónica que certa vez se dirigiu ao Rei D. Pedro II - que reinou na viragem dos séculos XVII para XVIII -, a quem procurou em Alcântara, na Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, e que o monarca atendeu o seu pedido, já que "venerava sua majestade muito ao servo de Deus pelo conceito que tinha da sua virtude...".

O mesmo texto fala de um episódio da vida de Frei Cristovão, que aconteceu no regresso de uma ida a Colares, onde havia estado com um Companheiro. Espesso nevoeiro abateu-se sobre a Serra, e os dois franciscanos acabaram por se separar, chegando o Companheiro ao Convento, ao passo que Frei Cristovão apenas no dia seguinte chegaria, sem manto nem sandálias, razão pela qual foi mandado fazer disciplina pelo Prelado.

Frei Cristovão contou depois de havia passado a noite caminhando pelos matos da Serra, não dando com o Convento apesar do Guardião ter mandado que se picasse o sino. O alforge, seu manto bem como as sandálias chegariam ao Convento dias mais tarde, depois de encontrados pela Serra por pastores.

Com perto de 80 anos de idade, doente e com a percepção de que se aproximava a hora de morrer, Frei Cristovão ocultou aos irmãos a sua "última enfermidade", mas o Guardião acabou por ter dela conhecimento, ordenando que partisse para Lisboa, onde eram tratados os frades de Sintra que adoeciam.

No caminho para Lisboa parou na Quinta do já referido Caetano de Melo e Castro (seria a de Monserrate?), e ali foi "recebido e tratado com grande amor". Vendo que a vida o deixava, Frei Cristovão pediu a uma cunhada do Vice-Rei que chamasse o seu Guardião, para lhe dar a extrema unção, e passou a noite na capela da Quinta, na companhia do Capelão da Casa.

No amanhecer seguinte chegou à Quinta do Guardião de Sintra, e ali disse Missa. A pedido de Frei Cristovão, deu-lhe a extrema unção, e depois rezou-se o Ofício da Agonia, ao qual ia respondendo. As suas últimas palavras foram "In Manus tuas, Domine, commendo Spiritum meum", precisamente as últimas sete palavras d'O Cristo antes da sua morte na Cruz (Lucas 23:46, "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"). Eram cerca das onze horas da manhã.

Pelas três iniciaram-se os trabalhos de transladação para o Convento, e quando o Guardião lhe pegou encontrou o corpo de Frei Cristovão tão flexível que parecia ainda animado de vida. Diz também a crónica que, achando-se sozinhas na presença do corpo, as criadas da Casa o picaram, e o sangue que saiu era tão líquido que com ele banharam lenços e paninhos, "que guardaram com estimação de preciosas relíquias". O corpo foi muitos acompanhado até ao Conventinho, onde se encontra a sua sepultura, localizada no Alpendre da Portaria, sendo um dos dois que se encontram junto à porta da Igreja conventual.

Sobre as "mangueiras de iluminação" no interior do Convento

Uma das inovações que mais recentemente foi introduzida no Convento dos Capuchos foi a instalação, em toda a zona interior do corpo central da Casa, de uma mangueira com iluminação (do tipo "árvore de natal"), a qual torna mais confortável a circulação de visitantes nos seus antigos e mal iluminados corredores.

Fotografia retirada do Flickr (Autor: "como_un_pez_en_el_agua")

A solução já havia sido implementada anteriormente nos túneis abertos ao público na Quinta da Regaleira.

Não questiono as vantagens da instalação de iluminação artifical no interior do Convento, no que aos visitantes diz respeito. De facto, o Conventinho possui uma natureza subterrânea, críptica, que determina uma fraca iluminação natural, a qual torna a circulação menos fluída, mais insegura e o espaço menos "agradável" ao comum visitante...

O que todavia penso ter a obrigação de realçar são as desvantagens desta situação, de entre as quais se destaca um certo desvirtuamento do carácter subterrâneo anteriormente referido... É que o Convento não foi construído "terra a dentro" por mero acaso. E não é mal iluminado, interiormente, por mero acaso.

Fotografia retirada do Flickr (Autor: "pesterussa")

O despertar dos sentidos internos requer um apagamento dos sentidos externos, como a visão (daí o escuro) e a audição (daí o silêncio que os próprios estatutos arrábidos exigiam na clausura). Ora, ao iluminar integralmente todo o percurso interior no Convento, a tutela reduziu - naturalmente sem má intenção - a percepção e interpretação de uma característica fundamental do Convento referida em praticamente todas as crónicas e narrativas a ele dedicadas nos últimos 450 anos...

Acredito que existem alternativas à "mangueira de iluminação", igualmente eficazes e que cumprem os mesmo objectivos daquela, sem impacto directo na vivência que o visitante fará do Convento e da sua natureza subterrânea. A distribuição de pequenas lanternas (p.e. uma lanterna por cada 2 pessoas) aos visitantes parece-me a mais óbvia (creio que no passado foi uma solução experimentada... mas não tenho a certeza), embora certamente existam outras.

Fica a crítica (construtiva) e a proposta, que creio ser do interesse do espaço bem como dos seus visitantes. É que no diálogo entre ambos a luz (artifical e permanente, com "L" pequeno) não deve constituir um elemento de perturbação.

terça-feira, 24 de março de 2009

O Convento por Soror Violante do Céu (1601-1693)

Sem notas nem extensa introdução, aqui deixo em jeito de partilha - a verdadeira vocação deste Blog dedicado ao Conventinho - uma bonita "canção" de Soror Violante do Céu (1601-1693), freira dominicana que escreveu sobre a Casa franciscana da Santa Cruz de Sintra, a propósito de um "corisco" que na Cerca partiu uma Cruz, sem fazer vítimas entre a comunidade de religiosos arrábidos.

Porque este singular e belíssimo poema fala por si, aqui fica a transcrição:

"Si minha penna fôra
Das azas de algum Anjo produzida,
Tanto vôara agora,
Que da Arvore que o foi da melhor vida,
Applaudira o valor com canto excelso,
Como anhela a razão, pede o sucesso.

Mas supposto que seja
Indigna minha penna de tal gloria,
Quero que o Mundo vêja
A nova Redempção, nova victoria,
Que obrou, que conseguio a Cruz divina
Na Casa singular, que patrocina.

Naquella altiva Serera,
Que em Cintra desafia o Firmamento,
Hum breve Ceo na Terra
Ostenta a Santidade de hum Convento,
Tão raro na virtude, e Santidade,
Como raro tambem na brevidade.

He o titulo delle
Sancta Cruz, porque á Cruz he dedicado,
Que assiste sempre nelle
Pois no mesmo Sacrario collocado
Tem aquelle ditoso, e Sancto Lenho,
Que foi das nossas almas desempenho.

Na breve cerca deste
Epilogo de excessos portentosos,
Quiz o pendão celeste
Obrar tambem excessos amorosos
Pois da balla terrivel de hum corisco
Quiz que fosse só seu o alheio risco.

Porque dando temores
A todo o claro globo huma tormenta,
Que em raios, e esplendores,
Falsificou cruel a alma violenta,
Abortou o vapor que congelado
Ficou em pedra dura transformado.

Não dirigio o tiro
A' soberba da Serra levantada,
Senão ao bom retiro
De hum logar que na cerca limitada,
Serve, por solitario, de deserto,
Aos que vam contemplar no amor mais certo.

E sendo frequentado
De hum, e outro Capucho venturoso,
Logar tão retirado
Principio do Successo milagroso,
Foi não estar nenhum naquella hora
Aonde cada qual contempla, e ora.

Com barbara ousadia
Ao pé da Arvore excelsa cahio logo
A pedra, que trazia
Contra toda a defensa armas de fogo
Mas oppondo-se a tudo a Cruz divina
Tomou sobre si só toda a ruina.

Porque quebrando a furia
A pedra do Corisco na, que tinha
A Cruz, lhe fez injuria
De a partir, sendo de outras trão visinha,
Que de inveja podera desfaz-las
Por serem pedraria das estrellas.

Porém como invejosa
Só da Pedra, que tinha a Cruz sagrada
Por ser mais preciosa
Por estar á Cruz santa mais chegada,
Com tal furia a quebrou que fez pedaços
A quem o mesmo Deos teve em seus braços.

Mas, ficando corrida
De atrevimento tal, tal desacato
A pedra já partida
Escondeo entre outras com recato,
Mostrando envergonhar-se do defeito,
De não guardar á Cruz todo o respeito.

Porém todo guardara
Si quem nella morreo não permittira,
Com piedade rara
Que objecto fosse a Cruz de tanta ira,
Porque nenhuma vida perigasse
E a soberna Cruz mais o imitasse.

Porque como Deos nella
Nossos culpas livrou, nossos tormentos,
Quiz tambem que a Cruz bella
Tomasse sobre si riscos violentos,
Porque se visse bem que na Cruz Santa
Semilhança influio união tanta.

Porém a semilhança,
Que eu acho nesta acção tão parecida,
He que a humana ofensa
Pagou Christo, e a Cruz exclarescida,
Por Justos, como já por Peccadores
Fineza ostentou, soffreo rigores.

Oh bemaventurados
Os que adquirir souberam tal fineza
Vivendo retirados
Em tal imitação, em tal pobreza
Que do simples por breve potentoso
He hum penedo só tecto famoso.

Ditosos os que habitam
Em tão doce prisão, tal soledade,
ois viver solicitam
Na largueza maior da Eternidade,
E ditoso tambem o Heroe illustre
Que em tal casa fundou da Terra o lustre.

Oh! multiplique glorias
A seu ditoso Espirito a Cruz Santa
Por quem levou victorias
Que a Fama solemnisa a Terra canta
Com as quaes imprimio nos mesmos Astros,
O tymbre dos Noronhas, e Castros.

E vós Capuchos Santos
Que com tanta Oração, tal penitencia
Ganhaes favores tantos
Alcançai-me da Eterna Providencia
Favor para que louve a Cruz divina,
Que a tão firmes bonanças vos destina.

Pedi ao Rey piedoso
Que servis nesse breve Paraiso
Que de seu Sol glorioso
Hum atamo conceda ao meu juizo
Porque accerte a louvar a Cruz ditosa
Das almas doce Mâi, de Deos Esposa.

Pedi-lhe que suspenda
Os castigos que tenho merecido,
E que a Cruz me defenda
Do risco, que, por grande, he tão temido,
Pois he certo se falta a Soberana
Que contra o Ceo não val defesa humana."

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Convento no "Frommer's Portugal"

"In 1834, the monks suddendly abandoned the Convent, most likelly to escape the crowded, primitive conditions in which the harsh environment forced them to live".

"Frommer's Portugal" - 19ª Edição (pág. 174)

É com a frase que em cima transcrevo que o guia de viagens "Frommer's Portugal" (19ª edição) termina a sua breve descrição do Convento dos Capuchos de Sintra.

Trata-se, naturalmente, de uma informação errada já que o que aconteceu em 1834 foi, como é sabido, a extinção das ordens religiosas em Portugal. Foi essa e não outra a razão que determinou o abandono dos Capuchos por parte da comunidade arrábida que ali se havia estabelecido em 1560...

Pergunto-me quantos turísticas estrangeiros, mal guiados pelo "Frommer's Portugal", não terão confirmado a estranha conclusão do referido livro, ao verificar in loco a aspereza das condições de vida material dos frades franciscanos da Santa Cruz da Serra de Sintra.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre a Lenda de Honório (parte 1)

"Quanto mais alto o homem,
de mais coisas tem que se privar.
No píncaro não há lugar senão para o homem só.
Quanto mais perfeito, mais completo,
e quanto mais completo, menos outrem."

Do "Livro do Desassossego"
por Bernardo Soares/Fernando Pessoa
Volume I, pág.101


Muitos foram os veneráveis padres que passaram pelo Conventinho de Sintra, ali deixando indelével marca, ora por algo que fizeram, ora por lendas e tradições locais que evocam os seus nomes e exemplos de vida.

De entre todos, Frei Honório de Santa Maria será o mais célebre, talvez a par de Frei Agostinho da Cruz (embora este pelo que escreveu e viveu no Convento da Arrábida) e de Frei Pedro de Antoria, franciscano espanhol do Reino de Jaen e proveniente da Recoleta Casa de Abrojo e que foi um dos primeiros "arrábidos" da Província, bem como o primeiro guardião do Convento de Sintra.

Honório viveu uma longa e rica vida, que já aflorámos aqui no Blog, e a sua lenda eternizou-se (cumprindo a função que lhe é própria) na boca e nos escritos de gentes locais ou de fora, embora com várias cambiantes, que tornam a sua vida - tal como é conhecida pelos estudiosos ou visitantes do Convento - ainda mais rica e interessante.

A mais conhecida lenda relativa à vida de Honório teve no livro "Cintra Pinturesca", do Visconde de Juromenha, o seu mais eficaz divulgador. A lenda tem sido contada ao longo dos anos de formas diferentes, mantendo-se no essencial o âmago da história, que está assim resumida na página web da CM de Sintra:

"Diz-se que certa vez, Frei Honório encontrou pelos campos uma linda rapariga, "para quem não olhou", mas que o forçou a fazer algo. Exigia-lhe que a confessasse. O virtuoso monge, naquele ermo não tinha confessionário, e sem querer fixar a pequena, mandou-a para o convento em procura de outro confessor. A bela de moçoila não se conformou com a resposta e insistiu ao mesmo tempo com o bom religioso. Rubro como um tomate, a suar em bico - isto passou-se em Agosto - apressou o passo, sempre seguido daquela que lhe pedia a absolvição ou penitência, até que, voltando-se e tapando o rosto com uma das mãos para fugir à formosura que o diabo encarnara para o tentar e perder, com a outra fez o sinal da cruz, a que a endiabrada e tentadora, respondeu com um grito, fugindo para não mais ser vista. Então, Frei Honório, por castigo por ter caído em tentação, isolou-se a pão e água numa gruta existente no Convento. E lá ficou até ao fim da sua vida".

A obra "Espelho de Penitentes e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida", da autoria de Frei António da Piedade (Lisboa, 1728), dedica a Honório dois capítulos, o primeiro sobre a sua vida e o segundo dedicado a episódios particulares dos seus triunfos sobre o demónio.

Este segunda capítulo, que é o XLI da Parte I, Livro IV, inclui quatro breves narrativas, que aqui procurarei resumir, nos seus traços essenciais.

I.

Conta a Crónica da Arrábida que foi certo dia de Jubileu, quando Honório se dirigia para o Confessionário do Convento onde já o esperava muita gente das Vilas de Sintra e Colares, deparou-se com a figura de um homem humilde, que ajoelhado lhe pediu a confissão "que a queria fazer geral das suas culpas". Honório anuiu, sem saber o que o esperava, e a confissão - que julgava breve, de forma a poder ouvir todos quantos esperavam - prolongou-se por três dias seguidos, com o Padre a suster "com paciencia a molestia, por entender fazia a Deos hum grande serviço". As culpas eram enormes, e a confissão prometia demorar-se ainda muito, pelo que Honório assim se dirigiu ao homem: "Jesus me valha! Haveis de acabar de vos confessar alguma hora?". E ao pronunciar as transcritas palavras "desappareceo o penitente, deixando hum abominavel cheiro no confessionario". Era pois o demonio, que usando a máscara de homem simples procurava "estorvar os muitos Sacramentos, que houvera de ter administrado aquelles dias".

II.

A mesma Crónica narra o episódio de uma visita que no Convento lhe fez uma mulher de Cascais, que ali vinha fazer confissão, para assim iniciar um novo rumo para a sua vida "depravada". O porteiro do Convento deu o recado a Honório, mas vindo ao encontro da dita mulher, encontrou primeiro um moço, que confessou sem saber que o seu único objectivo era afastá-lo da confissão da visitante de Cascais... Prolongou-se a confissão por quatro horas, e mais teriam sido, não tivesse Honório dito: "Filho, ou tu es o diabo, ou o trazes contigo". O moço respondeu-lhe "He verdade, que eu sou o diabo, e a boa pessa lhe tenho feito", e desapareceu. Confuso, Honório procurou a penitente de Cascais, mas lhe disseram que já se havia ido. O frade de Sintra entendeu por bem procurar a mulher, por forma a não deixar triunfar o diabo, e para "a livrar das garras do infernal lobo". Com a permissão do Prelado, percorreu a Serra e foi encontrá-la já no pé da mesma. Ali mesmo a confessou, e a "animou à perseverança do proposito", partindo depois de regresso ao Convento.

(continua...)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Capuchos no "Bonecos de Bolso"

Foi a pensar aqui no SOS Capuchos que o Pedro, do "Bonecos de Bolso", publicou um lindíssimo desenho (mais um) do Conventinho de Santa Cruz (melhoria seria dizer, da Santa Cruz) da Serra de Sintra.

Este desenho é, quanto a mim, muito mais do que um boneco dos Capuchos. Ele é a prova de que o Conventinho arrábido anda no coração de muita gente.

Ao Pedro envio, desde Almada - onde se vão escrevendo, à distância, estas linhas ao Conventinho de Sintra dedicadas -, um grande abraço e um imenso obrigado pelo lembrança.

quarta-feira, 18 de março de 2009

De "O Passeio", poema de José Maria da Costa e Silva (2ª edição, 1844)

Canto III

"(...)
E o Rio das Maçãs eternisado
Nos aureos versos do Cantor de Ulysses
Que, Virtude, te dá tão pouco apreço,
Quem em suave illusão embevecido
Não cuide em Penhaverde achar impressas
Do bom Castro as magnanimas pisadas?
Quem de Santo respeito senão toma
Vendo da Serra os Monges penitentes
O Senhor exaltar entre ermas rochas?
Quem do Jordão as grutas não recorda,
Da Thebaida os desertos? e quem póde
Deixar de proferir involuntario
De Hieronimo, Antão, e Paulo, os nomes?
(...)"

Notas do poeta:

Quem de santo respeito te não toma
Vendo da serra os Monges penitentes
O Senhor exaltar entre ermas rochas?

In another part of this mountain, and not lofty in his situation, is a convent, curiously built, among some wild, and romantic rocks; the wals, doors, and furnitures are all of cork. Some poor humble Franciscans inhabit it: they have a prety garden, and small orangery: they presented us with fruits, wero very courteous, and semed thankfull for the trifle , we gave them.

O Abbade Casti, um dos mais celebres Poétas da moderna Italia, tão conhecido pelas suas engraçadissimas Novellas e pelo seu Poema Gli Annimali Parlanti, na sua Epopéa Satyrica intitulada Il Poema Tartaro, deixou tambem uma reminiscencia da Serra de Cintra, e do Convento dos Capuchos , que visitara em sua viagem a Portugal, na seguinte bellissima Estancia.

Cosi d'Europa ali' ultimo comfino
Trascorrendo Ia Cintra Lusitana,
Io vidi il solitario Capucino
Ch' entro una cava rupe entra, e s'intana :
Ivi convento trova, horto e giardino,
E scuopri piani, e mari alla lontana.
Oh Cintra! oh Cintra! oh suol! soggiorno ameno
Di maraviglie , e di delizie pieno!

(Il Tart. Cant VIII. Stanc. XLV)

terça-feira, 17 de março de 2009

Dos "Estatutos da Provincia de Santa Maria da Arrabida" (1698)

Os Estatutos da Província são o conjunto das leis que regem a vida da comunidade arrábida no seu conjunto, contendo disposições gerais aplicáveis a todos os frades. Neste documento, datado de 1698, todos os assuntos do dia a dia das Casas da Província parecem ter lugar, desde os Hábitos aos Jejuns, passando pelos Arquivos conventuais.

Todavia, e de entre o conjunto das leis universais a todos aplicáveis, destacam-se neste capítulo XXXIX dos Estatutos disposições apenas aplicáveis às chamadas Casas Recoletas da Província: o Convento da Arrábida e o de Sintra. São precisamente essas disposições que aqui transcrevo:

Capitulo XXXIX
Das nossas Casas Recoletas

1 Em nossas Casas de N.Senhora da Arrabida, Santa Cruz de Cintra a quem assignamos por recoletas da Provincia, guardaraõ os Religiosos dellas os seguintes Estatutos. Em nenhum tempo, ainda que seja em Paschoas, se comerá dentro na clausura carne, nem se dará a pessoa alguma secular, Ecclesiástica, ou Religiosa, nem permittira Prelado algum se guize dentro na clausura por isso, & o que o contrario fizer, ou permittir, seja suspenso de seu officio ao parecer da nesa da Diffinição; & sendo subdito, em privaçaõ dos actos legitimos por dous annos: & a qualquer dis sobredittos lhe seraõ dadas tres disciplinas em diferentes Comunidades.

2 Haverá nas ditas Casas recoletas silencio perpetuo, no qual podera sómente dispensar o Prelado em os dias mais solemnes, para que isso se augmente, & cresça a devoçaõ no santos exercicios, & Oraçaõ. Procure o Irmão Ministro, quando lhe for possivel, naõ por nestes Casas Frades necessitados de vinho, & calçado; antes escolherá para ellas os Religiosos mais penitentes, & exemplares, & is mais dados ao exercicio da Oraçaõ, para o que ellas foraõ edificadas.

3 Todos os dias diraõ todas as suas culpas no refeytorio, tirados os Domingos, & dias Santos de guarda. Sera o serviço de mesa em taboa nùa, como as demais Casas, & em tosca pedra também nùa o da nossa Casa de Cintra. Beberaõ em huma, & outra por mayor desprezo, & mortificaçaõ propria por alcatruzes simplices: seraõ os guardanapos de calhamasso, ou estopa grossa. e quando na Quaresma os Prelados das dittas Casas recoletas com suas Comunidades lhe parecer, & quizerem passar com a abstinencia, que nossos primeyros Fundadores naquelles santos lugares costumavaõ de naõ comerem cousas guisadas ao fogo, nem o acender para isso, podellohaõ fazer com a bençaõ do Senhor; & a Provincia lhe agradecerá muito o sustentarem este santo, & penitente costume.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Os Capuchos no "Livro das grandezas de Lisboa" (1804)

Da obra "Livro das grandezas de Lisboa", por Nicolau de Oliveira. Publicado por Impressaõ regia, 1804. Página 150.

Sobre Sintra:

"Tem mais três Mosteiros: o primeiro , e mais chegado á villa, he o Mosteiro da Sanctissima Trindade , o qual tem dez Religiosos. O segundo he de Religiosos da Ordem de Saõ Hieronymo , chamado nossa Senhora da Pena, situado todo quasi sobre hum penedo no principio da Serra, e tem vinte Religiosos. O terceiro, que he de Franciscanos Capuchos , está quasi no fim da mesma Serra , e delle se afirma ser o mais pequeno em sitio, mais pobre, e mais áspero que todos os do mundo; e sendo este, daõse alguns Religiosos por desconsolados por lhes naõ darem seus Prelados licença pera serem moradores daquella casa onde ha dez Religiosos"

"... outras recreações, que tem Cintra, dignas de grande consideração" (1608)

Do livro "Do sitio de Lisboa. Sua grandeza, povoaçaõ e Commercio, & Dialogos de Luiz Mendes de Vasconcelos. Reimpressos conforme a Ediçaõ de 1608. Novamente correctos, e emendados". Página 168.

"... mas direi outras recreações, que tem Cintra, dignas de grande consideração, pois nella por santidade, e aspereza da vida, está o melhor do Mundo neste nosso tempo, e por novidade, frescura, e belleza de Conventos, nenhuma outra terra lhe faz vantagem; porque aonde ha outro Mosteiro como o dos Capuchos, mettido todo dentro de huma lapa, com todas as officinas cavadas na pedra della, cujas cellas são tão pequenas, que se não póde entrar nellas senão de lado, nem estar dentro em pé, e tudo o mais, e a vida dos Religiosos delle, he correspondente a esta aspereza de habitação (...)."

sábado, 14 de março de 2009

Giuseppe Baretti no Convento de Santa Cruz de Serra de Sintra (1760)

A 12 de Setembro de 1760, o conhecido crítico literário Giuseppe Baretti visitou o Convento de Santa Cruz de Serra de Sintra, resultando dessa visita uma muito interessante carta (XXVIII) incluída no livro "Journey from London to Genoa, through England, Portugal, Spain and France" (Vol.I).

A referida carta contém referências a outros espaços de Serra de Sintra, como o Mosteiro de Nossa Senhora da Pena, acerca do qual nos proporciona alguma informação. Escreve desde logo que no momento da sua visita apenas quatro ou cinco monges ali viviam, apesar da maior capacidade de alojamento do cenóbio Jerónimo, afectada todavia pelo terramoto de 1755, ocorrido apenas 5 anos antes da visita.

Escreve Baretti que o que resta do Mosteiro consiste de cinco ou seis divisões e um claustro forrado a azulejos brancos e azuis, dispostos de forma a recolher a água das chuvas numa cisterna localizada por baixo deste espaço.

Do alto da Serra, Baretti arrisca a olho nú e sem recurso a instrumentos de medição, uma altura de uma milha... 1600 metros de altitude, muito superiores aos 428 metros da Pena. Já noutra narrativa relativa a Sintra, do século XIX, alguém lhe havia atribuído 3000 pés de altitude (cerca de 914 metros).

Olhando em redor, identifica entre os enormes granitos envolventes do Mosteiro pequenas hortas cultivadas pelos monges, e lamenta apenas que o clima não lhes permita ali ter árvores de fruto, chegando estes de burro todos os dias, oriundos da Vila. Informa todavia que nas encostas ingremes da Pena se cultiva milho, utilizado para bolos que os monges servem aos visitantes, bem como para alimentar galinhas.

Ainda escrevendo sobre a Pena, Baretti elogia a solidez da construção do Mosteiro, atribuindo-lhe o mérito pelo facto deste não ter ficado em absoluta ruína após o violentíssimo terramoto, nem ali ter morrido nenhum monge devido ao abalo. Citando um dos monges refere que a Igreja se ergue precisamente sobre um antigo templo romano dedicado ao culto da Lua.

Relativamente aos Capuchos, o autor começa por referir a penosidade do caminho até ao lugar do ermitério franciscano, confessando que visitantes e burros (muito usados nestes antigos passeios pela Serra de Sintra) chegaram a passar por caminhos que exigiam máxima atenção, para evitar acidentes.

Sobre o Convento em si, Baretti inicia a narrativa pelas duas pedras que unidas formam o arco do portão, no Terreiro das Cruzes. Ali deixou, juntamente com o seu acompanhante, o burro em que viajava, ficando os animais à guarda de um guia local.

O que viu nos Capuchos deixou-o vivamente impressionado, chegando a pedir ao leitor auxílio na exigente tarefa de encontrar as palavras adequadas para descrever um lugar ímpar, que qualifica como "the most pleasing place that ever I was in".

Baretti refere, presumindo, que os frades os haviam avistado ao longe, e que por isso tudo estaria preparado para os receber quando ali chegaram. Foram muito bem recebidos, como se de amigos íntimos se tratassem, tendo o superior do Convento questionado se já haviam jantado. Perante a resposta negativa, o mesmo frade deu ordem para que fosse preparada uma refeição, iniciando logo em seguida uma visita guiada ao cenóbio arrábido.

Buracos, buracos e mais buracos. Eis a forma como Baretti descreve os Capuchos de Sintra, num tom que revela enorme admiração pela integração daquela casa de frades na natureza circundante. Fala-nos da Igreja, da Sacristia, dos Confessionários, do Refeitório e das Celas como pequenos buracos abertos no chão. As celas parecem provocar-lhe forte comoção, detendo-se na descrição da sua pequenez, apesar de afirmar sem reservas que os frades ali dormem.

Também relativamente ao Convento se refere ao terramoto de 1755, mas para assinalar que a violência do abalo acabou por não afectar as construções arrábidas, acabando por acrescentar que apenas a "queda da montanha" as poderia destruir.

Segue-se a clássica referência ao revestimento de cortiça de várias divisões do Convento, justificando assim a razão pela qual os "marinheiros ingleses" lhe chamam "Convento da Cortiça". Explicita algumas das vantagens da utilização da cortiça.

A propósito da Cova de Frei Honório tece comentários de incredibilidade, colocando em causa não apenas a lápide que assinala a data da morte do Santo, como também a história contada pelos frades, de quem diz terem nascido dois séculos após a morte do conhecido penitente (ou seja, muito distantes no tempo para saber ao certo o que ali se passou).

A propósito de uma nascente ali localizada, descreve a zona de cerca e as culturas dos frades, lamentando - tal como havia feito na Pena - a ausência de fruta, de certa forma compensada pela existência de uma grande abundância de outros vegetais .

Depois da visita, Baretti jantou no Convento e ao ar livre, já que o tempo assim o permitia. A refeição, servida com generosidade, consistiu de peixe preparado com alho e pimenta, abundante salada, queijo e fruta (pêras, maçãs, uvas e figos), em quantidade "dez vezes superior ao que conseguiríamos comer". Foi ainda servido um excelente vinho de Colares e pão de boa qualidade.

Conta Baretti que durante o jantar manteve agradável conversa com os frades, possuidores de excelente sentido de humor, e que lhe contaram que muitos ingleses acompanhados de senhoras visitavam frequentemente o Convento. As senhoras apenas podiam entrar no Convento quando acompanhadas de outros visitantes masculinos. Às mulheres locais não era permitido ultrapassar o arco de pedra do portão, excepto em dias festivos.

Terminada a visita e o jantar, Baretti deixou algum dinheiro junto à imagem de Santa Maria Madalena, justificando o facto com a necessidade de ajudar os frades nas despesas relativas à recepção de visitantes, bem como no apoio aos pobres locais, que ali se deslocavam com frequência para pedir uma refeição

Interessante ainda referir que Baretti refere o facto de ao seu guia bem como a um "negro", que se encontravam no exterior a tomar conta dos burros, ter sido servida uma refeição em suficiente quantidade, por iniciativa dos frades, e composta por sardinhas, queijo e fruta, vinho e pão.

As palavras finais relativas ao Convento são de facto esclarecedoras sobre a impressão e a marca que o lugar lhe deixou: "And now I may truly say that I have seen the strangest solitude that ever was inhabited by men, amidil the most plea- fing aslemblage of craggs, rocks, trees, and bumes that can possibly be fancied".

sexta-feira, 13 de março de 2009

Costumes in Portugal: 1821-1823 drawn from nature

"A capuchin and peasant of Cintra" (1821)

"A monk of the Order of San Francisco who walked in the Procession of Corpo de Deus in the year 1822"

Ilustrações retiradas do volume "Costumes in Portugal: 1821-1823 drawn from nature", por Baillie, Marianne, 1795-1821, na Biblioteca Nacional (Lisboa) com a cota F.R. 1307 (microfilme).

O Convento nos arquivos do New York Times

VOYAGEUR.
July 30, 1866, Wednesday

"PICTURES OF PORTUGAL.; OUR LISBON CORRESPONDENCE. Visit to Cintra and Mafra--Penn Castle --Cork Convent--Montserrat--Royal Palace of Cintra--Don Sebastian's Last Audience Room--Magpie Chamber--Don Alphonso's Prison-ChamberSala dos Cernos. CORK CONVENT. MONTSERRAT. ROYAL PALACE OF CINTRA."

Clique aqui para aceder ao texto.

quinta-feira, 12 de março de 2009

"A Serra de Cintra" (1814), por Ricardo Raimundo Nogueira

O poema "A Serra de Cintra", da autoria de Ricardo Raimundo Nogueira (1746-1827) é uma composição de rara beleza dedicada a Sintra e ao seu património natural e edificado.

Composto de 70 estrofes de 6 versos (sextilhas), o autor dedicado ao Convento três: as estrofes 12, 13 e 14, nas quais se refere ao ermo local em que se construiu o cenóbio, à lenda da fundação (na versão do sonho de D. João de Castro) e ao padroado dos Castros da Penha Verde.

12
Vê agora sem arte e sem estudo
Sem planta, medição, engenho, e risco
A Caza de Francisco,
O recinto, o portal, a Igreja, e tudo
Duros penedos são aprovesitados
Alli pela mão próvida espalhados.

13
O forte insigne Castro o vio em mente
N'um dia andando á caça n'estas brenhas
Huma Cruz sobre as penhas,
Diviza, observa, e adora promptamente,
Sentio-se penetrado, e commovido,
Assim foi o Convento concebido.

14
O seu Filho D. Alvaro de Castro
Heróe, filho de Heróe, nobre, e devoto
Cumprio, e deo com o voto
Aos Campos nova luz, á Serra hum Astro;
Ainda o Successor he Padroeiro,
Dos bens não só, mas da Piedade Herdeiro.

O caminho para os Capuchos, de W.Stockdale (1875)

A questão do marco viário setecentista, localizado na Estrada Velha Sintra-Colares, não muito longe do portão de Monserrate, ainda nos ocupará aqui no Blog, mas para já gostaria de aqui deixar esta bonita litografia da autoria de W. Colebrook Stockdale, incluída no conjunto de ilustrações denominado "Souvenir of Cintra", de 1875.

Trata-se de uma bonita composição, que retrata precisamente o início do antigo caminho entre Monserrate e os Capuchos, vendo-se à direita um dos pequenos lagos existentes nas imediações do primeiro Parque, e ao fundo - elevado aos céus - o magnífico e enigmático Monte Rodel.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Magnífica ilustração do Convento, no "Bonecos de Bolso"

O Blog Bonecos de Bolso é um espaço que vivamente aconselho, apesar de não conhecer o seu autor, a não ser através dos "bonecos" que com os seus "leitores" vai partilhando. Ora, Sintra é um dos motivos de maior inspiração do Pedro, e ontem quem acedeu ao seu Blog foi confrontado com uma magnífica ilustração da fachada principal da Capela do Senhor do Horto, sobre a qual escrevi há dias.

O "boneco" a que me refiro pode ser encontrado aqui. Ao Pedro os meus parabéns pela capacidade de transmitir, com o seu traço sentido e que ultrapassa muitíssimo o realismo do instantâneo, a beleza simples mas profudamente simbólica do Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra.

terça-feira, 10 de março de 2009

Sobre a lenda de Frei Honório de Santa Maria

Quem verdadeiramente pesquisar sobre o Convento e a sua história verificará que os dados que nos chegam dos séculos passados são, não raras vezes, contraditórios, existindo mesmo alguma polémica em matérias de natureza histórica, relacionadas com os Capuchos de Sintra.

A data de fundação do cenóbio é um desses temas, sendo possível verificar na "Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida" alguma controvérsia em torno do muito referido - e aliás inscrito em lápide existente na Igreja - ano de 1560.

Outro assunto algo distorcido pelo tempo, e pelo carácter oral da tradição local, diz respeito à Lenda de Frei Honório (de Santa Maria), guardião do Convento acerca do qual já transcrevi aqui no Blog parte das linhas que lhe dedica António da Piedade, na Chronica atrás mencionada.

A Cova de Honório (Fotografia de António Passaporte, anos 50)

Muito recentemente encontrei em busca na internet uma versão compilada por Manuel J. Gandra, que sobre a Lenda de Frei Honório diz o seguinte:

"Da curiosa Relação do Castelo da Serra de Sintra, transcrevemos o presente trecho que nos falta da tentação do diabo ao virtuoso Frei Honório: Saindo do convento de (Santa Cruz ou da Cortiça) para a parte de baixo do Carril, que vai dar ao penedo, em distância de tiro de espingarda, se venera uma cruz, que fez com o dedo em uma pedra tosca o venerável Frei Honório de Santa Maria, aparecendo-lhe o demónio para impedir e confessar uma pecadora, com a qual o fez desaparecer; e havendo vários incêndios na serra, assim que chegava o fogo a este lugar, se extinguia, ficando ileso desde a cruz até à cova da cerca onde habitava."


Trata-se, como poderá verificar o/a leitor/a, de uma versão bem diferente daquela mais conhecida, que se refere a uma suposta tentação de Honório, a qual em parte nenhuma é referida nos antigos documentos relacionados com o Convento (pelo menos que eu conheça, e descontado o muito citado volume "Cintra Pinturesca").

É neste tema que me deterei num futuro próximo, agradecendo-se desde já o contributo de todos para que todas as versões da Lenda aqui fiquem abordadas, e disponíveis a quantos se interessam - ou venho a interessar - pelos Capuchos de Sintra.

Vida do Venerável Padre Frei Agostinho da Cruz

"Vida do Venerável Padre Frei Agostinho da Cruz", da autoria de José Caetano de Mesquita e Quadros (Lisboa, 1793).

Clique aqui para aceder ao excerto que se refere ao noviciado de Frei Agostinho da Cruz no Convento de Sintra.

segunda-feira, 9 de março de 2009

O Convento numa crónica de 1830

"O Convento da Cortiça, tão noticiado por todos os visitantes de Cintra, é «um ermitério parcialmente enterrado entre pedras que servem como abóbada da igreja, sacristia e sala do capítulo, parcialmente construído à superfície. As celas subterrâneas são iluminadas por buracos, abertos obliquamente na pedra, e forrados internamente com cortiça, para proteger contra a humidade; por isso é chamado Convento da Cortiça. é habitado por cerca de vinte ermitas da mais rígida Ordem de São Francisco. Um Prior rege a comunidade, que se alimenta sobretudo de peixe, fruta e pão. Cada um tem a sua cela, do tamanho de uma campa, na qual existe um colchão»."

Da obra "The Modern Traveller. A description, geographical, historical and topographical of the various countres of the globe" (Vol. 19), por Josiah Conder (Londres, 1830).

domingo, 8 de março de 2009

A Capela do Claustro do Convento

A Capela que se ergue no Claustro do Convento de Santa Cruz de Serra de Sintra tem sido, ao longo do tempo, identificada de duas formas distintas: muitos autores e visitantes do Convento referem-se a ela como a Capela do Senhor no Horto, enquanto que outros afirmam que nela existia uma imagem de "Christo, com a cruz às costas" (1), caso do texto incluído no volume "Portugal Pittoresco", datado de 1847 e da autoria de M. Fernando Denis.

Localizada no Claustro tão bem ilustrado na imagem que reproduzo em cima, da autoria de William Burnett, esta capelinha é portadora de uma beleza verdadeiramente singular, e do ponto de vista artístico será dos mais importantes elementos constitutivos do Convento, por ali se acharem os frescos atribuídos a André Reinoso, pintor maneirista do início do século XVII. Sobre o assunto aconselho a leitura do texto do Prof. Vítor Serrão, "Os frescos seiscentistas do Convento dos Capuchos".

Interessa-nos sobretudo neste texto inicial dedicado a esta capela, abordar a questão da sua denominação, naturalmente decorrente da temática bíblica que lhe está subjacente. Penso que actualmente a generalidade das pessoas que se interessam pelo Convento lhe chamam "Capela do Senhor no Horto", identificação justificada pelos restos do antigo conjunto do altar, que parece representar O Cristo em oração no Getsemani, localizado no sopé do Monte das Oliveiras.

"E, saindo, foi, como costumava, para o Monte das Oliveiras; e também os seus discípulos o seguiram. E quando chegou àquele lugar, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. E apartou-se deles cerca de um tiro de pedra; e, pondo-se de joelhos, orava, Dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua. E apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia.
E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até ao chão. E, levantando-se da oração, veio para os seus discípulos, e achou-os dormindo de tristeza. E disse-lhes: Por que estais dormindo? Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tentação."

Evangelho de Lucas, 22:44


Creio que a imagem d'O Cristo ajoelhado naquele lugar já não se encontra inteira faz muito tempo. Eu não tenho memória de alguma vez a ter visto completa, nem conheço nenhuma fotografia que reproduza todo o conjunto do altar da Capela, antes da sua destruição.

Todavia, faço dela uma ideia, já que há uns anos atrás encontrei no Claustro do Mosteiro do Lorvão, não muito longe de Coimbra, uma representação bastante antiga desta cena de Getsemani (ver fotografia em baixo). Será este conjunto do Lorvão semelhante ao original de Sintra? Não sei, pois como já referi nunca vi o altar tal como se encontrava antes da destruição.

No Convento da Arrábida também existe uma representação do episódio bíblico de Getsemani, embora no plano artístico nada tenha a ver com as duas que sumariamente acabamos de abordar (Sintra e Lorvão). Presumo, ainda assim, que existisse junto dos franciscanos arrábidos um particular interesse por este episódio específico da vida d'O Cristo, questão a abordar de forma mais detalhada no futuro.


Notas:

(1) - "Ao entrar se dá em um corredor de oito palmos de comprido e cinco de largo, o qual entre toscos penedos nos guia a um pequeno jardim, e ali em logar eminente se vê uma ermida, onde se venera a imagem de Christo, com a cruz às costas, e junto um limitado vão de sete palmos entre penedos, que serve de sachristia, o que tudo mandou edificar o cardeal infante D. Henrique, a ermida para nella dizer missa, e a celasinha para nella habitar dia e noite, quando procurava este retiro para as suas penitencias".

sábado, 7 de março de 2009

Vida do Veneravel Fr. Honorio de Santa Maria (parte 2)

"Espelho de Penitentes e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida", da autoria de Fr. Antonio da Piedade (Lisboa, 1728).

Parte I. Livro IV. Capitulo XL.

Vida do Veneravel Fr. Honorio de Santa Maria


997 A ultima Guardianîa que teve, foy no Convento de Cintra; e sendo absoluto della, lhe concedeo o Provincial, que ficasse morador no mesmo Convento, por lje naõ faltar à espiritual consoluçaõ, que nela sentia; e com licença dos Prelados elegeo por cela huma cova, que está na Cerca, naõ como a de Melibeo toda frondosa, mas sim como aquella de que falla Quinciano, sombria, triste, e medonha, cuja horrorosa vista intimida aos humanos para a verem, quando mais para a habitarem. Ninguem a vê, sem que lhe sirva para despertador da morte; e todos ouvem assombrados, que nele podesse viver dezaseis annos continuos Fr. Honorio, contando já oitenta de idade. A sua cama era huma cortiça, e huma pedra, ou pao lhe servia de cabeceira, sem outra alguma cobertura, com que se pudesse reparar dos frios, mais que a de dous grandes penedos, que lhe impedem a claridade. Nela assistia de dia, e de noite até às Matinas, e as poucas horas que dava de decanso ao corpo, sempre era encolhido. Todas as noites vinha rezar Matinas ao Coro; e o tempo, que restava até se tanger a Prima, passava em altissima contemplaçaõ diante do Santissimo Sacramento, em cuja presença fazia huma dsciplina taõ dilatada, como rigorosa. O sangue, que derramava, o arguia de cruel; porém as feridas se convertiaõ em bocas, que publicavaõ os triunfos da penitencia, contra os ardilosos combates do demonio, que se desvelava em o perseguir.

998 Parecia-lhe limitado este castigo, para domar a rebeldia da carne, que sempre repugna à mortificaçaõ, e usava de hum cilicio de cairo, com que cingia quasi todo o corpo, em cujo tormento rara vez dispensava. Todas as sestas feiras apparecia no refeitorio com hum molho de sylvas ao pescosso, e com os olhos nellas dizia a sua culpa, e tomava a refeiçaõ de paõ, e agua. Nas da Quaresma, em sinal de como trazia na memoria muito presente a Paixaõ do seu amado Jesus, vinha rodeado da contura para cima das mesmas sylvas: disciplinava-se até lhe fazer o Prelado final, e comia em terra. Depois de satisfeitas as suas obrigaçoens, occupava-se nos exercicios mais humildes dos Conventos, mondando a Horta, e alimpando com huma enxada as ruas da Cerca, e outros mais que estavaõ entregues aos cuidados dos Coristas. Prezava-se de muito amante de tanta pobreza, e naõ lhe parecia bem outra cousa, mais que a que se ordenava a obsequiar esta virtude. Para mayor lustre da sua observancia, naõ tinha cousa alguma do seu uso, mais que o Habito, taõ vil, como composto de pedaços de varias cores, taõ estreito, que mal o podia vestir, e taõ curto, que apenas lhe chegava aos artelhos dos pés, e pulsos dos braços; e para que nestas partes se não desfiasse, o fortalecia com ourellas de coiro, e lhe ficavão tambem servindo de aspero cilicio.

999 Com as aguas da penitencia em que se purificavaõ os peccadores, saciava este Servo de Deos a sede, que tinha de lhe salvar as almas, assistindo no Confessionario de dia, e de noite. Tal era a graça, com que ministrava o Sacramento da Penitencia, e taõ copiosos os frutos, que das suas exhortaçoens colhiaõ os penitentes, que de terras muito distantes o vinhaõ procurar, para alivio das suas consciencias. Em muitas occasioens lhe succedeo pelo grande concurso de gente, estar no Confessionario desde a manhãa até à noite; e quando neste tempo vinha tomar a refeiçaõ corporal, se contentava com paõ, e agua, pedindo licença aos Prelados para dar o mais, que lhe haviaõ guardado, a alguns pobres, que havia confessado. Com este caritativo zelo, quando naõ vinhaõ os penitentes ao Convento, os procurava elle nas suas Freguezias, offerecendo-lhe prompta a suas almas a suave medicina da penitencia. Também os industriava na doutrina Christãa, santo exercicio da oraçaõ mental, e com grande empenho os persuadia, a que professassem a Terceira Regra do nosso serafico Patriarcha, e a observassem em suas casas, o que via observando com extremosa consolaçaõ do seu espirito, e grande gloria de Deos. Chefavaõ repetidas as noticias destas exemplaridades ao Arcebispo de Lisboa D. Jorge de Almeida, e costumava dizer, que naõ havia no seu Arcebispado, quem fizesse mais fruto nas almas dos seus diocesanos, que o Padre Fr. Honorio, e naõ deixava de o encarecer assim aos Prelados, quando o visitavaõ.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Vida do Veneravel Fr. Honorio de Santa Maria (parte 1)

"Espelho de Penitentes e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida", da autoria de Fr. Antonio da Piedade (Lisboa, 1728).

Parte I. Livro IV. Capitulo XL.

Vida do Veneravel Fr. Honorio de Santa Maria

993 Iguaes nas emprezas mas desiguaes nos fins se mostrão os mundanos, e os penitentes. Todos morrem por não morrer, porque todos mortificão os appetites, em que consiste no sentir dos Filosofos a morte continuada. Há porém esta differença, que os mundanos morrem por dilatar a vida ao corpo, e os penitentes por conservar a vida ao espirito. Com o desejo de viverem mais, se privão aqueles muitas vezes do gosto, que podião ter, comendo, bebendo e passeando, e divertindo-se, só por presumirem lhe será nocivo à saude; e este genero de morte se condemnou já na Gentilidade da loucura. Tudo isto obrão os penitentes, delineando tribulaçoens ao espirito, humiliaçoens aos sentidos, para viver mais com Deos, e este he o sacrificio de que o mesmo Senhor se agrada. Com este argumento concluhio a vida o Veneravel Fr. Honorio de Santa Maria, que lhe durou pelo espaço de novente e cinco annos, consummidos com rigorosas penitencias, e consumados com portentosos finaes da grande aceitação, que tiveram nos agrados Divinos.

994 Foy natural da Villa de Arcos de Valdevez, situada na Provincia de Entre Douro, e Minho; livre porém dos defeituosos costumes, que dos naturaes desta Comarca adverte a Ordenação do nosso Reyno, porque invoca a Deos de todo o coração, para firmar verdadeiro o proposito, com que se resolvera a desprezar o Mundo, e as suas vaidades. Tomou o Habito na Provincia de Portugal, de que depois se formou a de Santo Antonio, e esta vemos hoje dividida na da Conceição. Pelas virtudes, que nelle admirava o Illustrissimo D. Fr. Marcos de Lisboa, Bispo do Porto, o elegeo por seu Companheiro, quando sendo Chronista Geral da Ordem, foy indagar as noticias pelas Provincias entrangeiras. As melhores, que Fr. Honorio colheo, para compor com mais perfeição as acçoens da sua vida, forão as grandes asperezas, abstinencias, continua oração, e a estreitissima observancia da santa pobreza, em que florecia a nossa Provincia, e se aventajava às mais. Determinou logo aproveitarse dellas, julgando seria desta forte a sua composição muito vistosa aos olhos de Deos.

995 No anno de 1561 sendo Provincial Fr. Jacome Peregrino, veyo para a Provincia; e não obstante contar já sessenta annos de idade, tanto era o valor com que abraçava os rigores, que já o podião venerar como exemplar das penitencias. Admirarão-lhe os Padres da Mesa hum espirito muito simplez para os empregos da obediente, e o incorporarão sem a minima repugnancia, como quem esperava respeitallo como Oraculo de todas as virtudes. Não se enganarão no juizo, porque tantos forão os respeitos, que conciliou de virtuoso, que ninguem duvidava darlhe as acclamações de Santo; e com esta fama se conservão ainda hoje as suas veneraveis memorias, assim na Provincia, cini en todo o destricto do Convento da Serra de Cintra, onde faleceo, e servio de theatro a suas penitenciais, de campo a suas batalhas, e de immortal Padrão aos seus agigantados merecimentos. Supposto que nos Conventos, em que assistio subdito, e governou Prelado, se esmerasse nas exemplaridades de perfeito Religioso, neste da Serra se aventajou tantos nos rigores, e asperezas com que se macerava, que a não apellarmos oaea as valentias da graça, se fazem incriveis das forças da natureza.

996 A todas as mais creaturas, excepto o homem, louvou Deos quando as creou; e o que parece desabono da sua creação, he argumento do seu maior realce. Nem disse que era bom, nem que era mao; porque quiz que elle fosse o mesmo, que desse o assumpto aos seus applausos, ou aos seus vituperios; em suas nãos lhe poz o pincel do livre alvedrio, para que se pintasse como quizesse; e consiste o desatino de alguns, em que podendo pintarse de Anjos, se pintão como brutos; e estes se comparão , quando cegos dos seus appetites se precipitão, podendo resplandecer em virtudes, para participarem daqueles as semelhanças. Estas devemos sem escrupulo contemplar no Veneravel Frey Honorio, que as adquirio pela pureza da vida, matizada com as excelentes cores de muitas disciplinas, oraçoens, vigilias, e abstinencias. Jejuava seis Quaresmas, em que repartia todo o anno, e muitos dias na da Igreja passava somente com hervas cozidas, sem tempero algum, e o paõ, com que as comia, passava pouco mais de duas onças, esse de rala, e do mais duro, que vinha na esmola. Todas as vigilias dos Santos, e sestas feiras era o jejum de paõ, e agua indispensavel. Menos rigorosas eraõ as abstinencias com que se mortificava o Anacoreta Patroclus, e bastarão para o perpetuaram enfermo: triunfou porém o nosso Fr. Honorio com as suas, sendo mais extraordinarias, de toda a enfermidade; antes se conservou tão robusto, que nunca foy sangrado, nem nas Enfermarias foy visto já mais com alguma doença.

Continuação: Parte 2 | Continua...

Sobre as notas biográficas de João de Castro, neto do 4º Vice-Rei da Índia

De Sebastianismo temos falado aqui, no SOS Capuchos, avulso e sempre que o tema se justifica. Ora, é a ele que regressamos, para abordar ao de leve a figura de um João de Castro, que não o 4º Vice Rei da Índia, mas antes um seu neto, filho bastardo de D. Álvaro de Castro, e nome maior da defesa do célebre Cavaleiro da Cruz, que acreditava ser de facto o Rei desaparecido D.Sebastião.

Vale a pena ler a biografia deste João de Castro, que viveu na infância com a sua avó D. Leonor Coutinho, até ingressar ainda menino no Mosteiro de Nossa Senhora da Penha Longa (Jerónimo), no sopé da Serra de Sintra.

Ali conheceu um seu companheiro de viagem, "moço honrado de Sintra" e filho de um mestre de obras local conhecido do Cardeal Rei D. Henrique (monarca português ligado à história do Convento), com quem fugiu - pela calada da noite - da Penha Longa, em busca de aventura e outro sentido para a vida. Chamava-se Manuel Carreira.

D. João de Castro (neto) conta-nos nas suas notas autobiográficas que com o seu amigo do tempo da "Pera-Longa" viajou até Évora, ali se fazendo estudante na Universidade local. O neto do Vice-Rei viveu durante alguns anos da misericórdia e esmola alheia, sendo por mais de uma vez referido por si um estudante africano, negro, de seu nome João Pinto ("homem preto, natural do Congo, ou de Angola").

A vida deste descendente do fundador-espiritual do Convento não se cruza, pelo menos que disso eu tenha conhecimento, com os Capuchos de Sintra... Mas no texto que felizmente nos deixou acerca da sua vida meio-vagabunda refere que Manuel Carreira o deixou em Évora, regressando para a casa de seu pai (em Sintra, como já referi), para tomar o hábito franciscano:

"(...) determinou meu companheiro de se tornar para casa de seu pai, como fez, metendo-se ao diante Capucho, ou Descalço (nde: carmelita, portanto), como desejava; de que não sei mais.".

Pergunto-me se Manuel Carreira, que desejava muito ser Capucho como refere João de Castro no início do texto, não teria feito o seu noviciado precisamente no Conventinho de Santa Cruz, já que esta é a única casa franciscana do termo de Sintra. Não conheço nenhum registo nem disponho de informação que o confirme.

É de facto uma pena que a documentação relativa à vida do Convento, incluindo os registos da e sobre a Comunidade que entre 1560 e 1834 ali viveu, esteja desaparecida e muito provavelmente arrumada na estante ou cofre de algum particular. Trata-se de documentação de relevante interesse público, na esfera do estudo do lugar em si e da particular vivência do franciscanismo ali praticada.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Leitura aconselhada

Frei Marcos de Lisboa (ou de Betânia), nascido em 1511 e falecido no Porto, cidade de que foi Bispo na fase final da sua vida, em 1591, é um dos nomes maiores do franciscanismo português do século XVI. Feito cronista da Ordem por Frei André da Ínsua, viajou pelo estrangeiro (Espanha, França, Alemanha e Itália), acompanhado por Frei Honório de Santa Maria, frade natural das terras minhotas de Arcos de Valdevez, que em 1561 se recolheu ao Conventinho de Sintra, e nele levou uma vida de grande santidade e devoção a Deus.

Frei Marcos escreveu algumas obras importantes, de entre as quais se destacam as suas Crónicas da Ordem dos Frades Menores, parcialmente disponíveis através da internet. Para aceder a esta obra que vivamente aconselho, clique aqui.

O marco viário do século XVII da Estrada Velha Sintra-Colares

"Na estrada velha de Sintra a Colares, um pouco abaixo do portão de Monserrate, existe o primitivo caminho que lhe dava acesso (nde: ao Convento, vindos da Vila). Está assinalado, do nosso lado esquerdo, por um marco viário do século XVII que diz: «Caminho para o Convento de Santa Cruz da Serra, vulgo Capuchos».

Só a pé se pode percorrer e a subida pela serra torna-se algo penosa.

Noutra face desse marco viário vê-se a data de 1650 e umas letras que o grande arqueólogo Dr. Félix Alves Pereira, no seu livro póstumo Sintra do Pretérito, confessa não ter conseguido interpretar.

Parente amigo, estudioso e pessoa que se interessa por estas coisas, dá-lhe a seguinte interpretação: «Por mandado do Dr. Juiz de Fora».

Repare o leitor na gravura que acompanha este artigo (desenho por mim feito em 1957) e, julgo, também chegará a essa conclusão."

Excerto do Capítulo dedicado ao Convento dos Capuchos, incluído no livro "Recantos e Espaços", do ilustre autor José Alfredo da Costa Azevedo (1907-1991), um dos nomes maiores do século XX no Concelho de Sintra.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O Terreiro da Fonte

Saídos do pequeno pátio que se segue ao arco formado pelas fragas do portão, entramos num terreiro um pouco mais amplo, já com o Convento bem à vista, e que termina no Alpendre da Portaria, de que nos ocuparemos no futuro.

Maravilhoso, este espaço.

À esquerda, duas mesas servidas por bancos corridos de pedra, emolduram uma belíssima fonte, da qual sai ininterruptamente água limpa e fresca da Serra. Destas meses se diz que era local de eleição para o descanso e refeições de D. Sebastião, nas suas deslocações aos Capuchos.

A fonte está bastante degradada, faltando-lhe parte do bonito revestimento pétreo da sua estrutura. Ao centro, por cima da bica, um nicho guardava - ao que consta - uma imagem de Nossa Senhora da Rocha. Rocha, Roca, Pedra, Penha, Pena. Sinónimos que se repetem um pouco por toda a Serra de Sintra, evocando de forma por demais evidente a natureza sagrada deste monte de colossais e ciclópicos blocos graníticos.

A imagem desapareceu. Uma entre muitas imagens desaparecidas do primitivo recheio conventual. Dela restam antigas referências do século XIX. Ainda existirá? Quase a consigo imaginar a servir de "decoração" na casa de um particular... Triste destino para uma imagem que outrora viveu mais junto ao Céu, no cimo do Monte Ida português.

A vegetação do terreiro é hoje muito menos densa do que há alguns anos. Estará mais limpo para uns, menos próximo da sua natureza para outros. Seja como for, o fundamental da sua beleza está lá, que o sinta quem conseguir sintonizar no seu coração o bater do órgão vital da Serra, de que nos aproximamos.

Junto ao Telheiro, do lado da parede da sacrístia/coro cuja janela dá para este pátio (a janela que, vista de dentro, reproduzo em fotografia no cabeçalho deste blog), bonitos brincos de princesa emprestam ao lugar - em determinadas alturas do ano - uma cor verdadeiramente deslumbrante...

Que não se deslumbre o visitante, todavia. Este é um lugar de encontro com a verdade, e para a sentir temos de estar despertos para a Realidade.

Para ouvir o Convento não o tentemos ouvir. É que a ele se aplica por completo este excerto de Mensagem de Fernando Pessoa, incluído no poema "As Ilhas Afortunadas":

"(...)
E a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutarmos, cala,
Por ter havido escutar."

Diogo Bernardes, sobre o noviciado de Agostinho da Cruz

"Em que te mereci, oh Agostinho
Que n'esta escura selva me deixasses
Tomando para ti melhor caminho?"

Agostinho Pimenta toma hábito, adopta o nome religioso de Fr. Agostinho da Cruz, e é o poeta Diogo Bernardes quem se lamenta do irmão o deixar "n'esta escura selva", que é a realidade exterior aos seus votos e à sua nova casa, em Sintra, para tomar "melhor caminho".

Diogo Bernardes era, segundo alguns autores, amigo pessoal de Camões, e homem bem relacionado com o Rei-Menino D.Sebastião, que lhe pediu que com ele embarcasse para o Norte de África, em vésperas dos acontecimentos de Álcacer-Quibir.

Talvez seja esta a justificação para alguns afirmarem que, contrariamente ao que muitos defendem, a leitura que Camões fez dos Lusíadas perante D.Sebastião não teria acontecido no Paço de Sintra, nem sequer na Penha Verde (como afirma Garret, no livro que dedicado ao poeta maior da nossa história) mas antes nos Capuchos.

D.Sebastião seria, assim o creio, visita regular dos franciscanos de Sintra, e poderá ter acontecido o próprio Camões ter visitado o Convento a convite de Bernardes, que ali tinha como frade o seu irmão Agostinho. Poderá? Especulação pura, já que para além da tradição oral e da convicção de alguns estudiosos do tema, nada prova que assim tenha acontecido, e as relações familiares e de amizade entre os intervenientes não é base suficiente de sustentação.

Também se afirma que teria sido no Convento que D.Sebastião teria escrito as cartas de mobilização para a Campanha do Norte de África, em número que rondaria as oito mil... Frei Bernardo da Cruz confirma, na sua "Chronica de El Rei D.Sebastião" que as cartas foram escritas em Sintra, mas nada de concreto e objectivo se diz acerca do local da Serra ou da Vila onde as mesmas foram redigidas.

Seja como for, a ligação do Convento ao Sebastianismo é imensa. Porque foi local de visita do Rei-Menino, porque a tradição local liga - pelo menos em parte - a leitura dos Lusíadas e as cartas de mobilização para África ao cenóbio franciscano, porque ali passou alguns meses o "falso D.Sebastião" que se chamava Mateus Álvares, e que ficou para a história conhecido como "o Rei da Ericeira"...

terça-feira, 3 de março de 2009

Um texto fundamental sobre o Convento

"Espelho de Penitentes e Chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida", da autoria de Fr. Antonio da Piedade (Lisboa, 1728).

Clique aqui para aceder ao capítulo XV da Parte I, Livro II, "Fundação do Convento de Santa Cruz da Serra de Cintra".

Poema dedicado a Fr. Agostinho da Cruz

Agostinho Pimenta, que ficou imortalizado com o seu nome religioso de Frei Agostinho da Cruz, foi noviço nos Capuchos de Sintra, tendo aliás feito parte da comunidade inicial que ali se estabeleceu após a fundação do cenóbio, em 1560. É precisamente a essa filiação que alude Santos Cravina no seu soneto "Do berço à tumba", de 1941, incluído no volume "O místico da Arrábida", dedicado ao poeta e místico franciscano.

"Do berço à tumba"

Ponte da Barca é berço do Poeta
de Agostinho Pimenta batisado.
Lá junto ao Lima foi predestinado
para servir a Deus em vida asceta...

De flôres seu caminho se atapeta
em Santa Cruz de Sintra a Deus é dado,
a Setúbal passando. Além do Sado
do Ceu descobre a linda estrada recta.

Ergue na Arrábida a alta Cruz e canta
da Natura e da Fé em mistério
a inteligência humana absorve e espanta...

Servindo a Deus no arrábido ermitério
em Setúbal lhe dá a sua alma santa
e a Arrábida é-lhe Tumba e cemitério.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Capuchos ao abandono...

Diz-me quem lá esteve que no passado sábado o Convento estava novamente vazio de pessoas da PSML, com excepção da bilheteira. Naturalmente que se trata de uma situação recorrente, esta coisa de se deixar o Convento abandonado e entregue ao bom senso (ou mau senso, depende) dos visitantes.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

509 anos sobre o nascimento de D. João de Castro

Passam hoje 509 anos sobre o nascimento daquele que foi o idealizador e o fundador espiritual do Convento dos Capuchos, o 4º Vice-Rei da Índia D. João de Castro.

De facto, foi cumprindo uma vontade sua, curiosamente não expressa no seu testamento, que o filho D. Álvaro de Castro edificou, 12 anos após a morte do pai, o Conventinho de Santa Cruz da Serra de Sintra, precisamente no local onde - de acordo com a tradição - D. João de Castro havia adormecido, e em sonhos recebido a missão de ali construir uma Casa de recolhimento para uma comunidade religiosa.

"Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Francisco Caldeira Cabral sobre os Capuchos e a Penha Verde

"Se em todos os aspectos citados até aqui o jardim português se mantêm atrasado em relação aos dos outros povos da Europa, há pelo menos um, em que me parece ter-se-lhe adiantado de bem dois séculos. Refiro-me à concepção naturalista de muitas obras nossas do século XVI, como a Penha Verde e os Capuchos. Nunca mais, e em parte nenhuma se conseguiu um equilíbrio tão perfeito e uma unidade tão completa entre a obra do homem e a da natureza, não como desde o século passado rebaixando o homem ao plano simplesmente natural, mas sim elevando ambos, Natureza e Homem, ao plano divino da criação dentro do conceito católico e franciscano. Não pretendíamos imitar artificiosamente a natureza, mas apenas integrar com raro instinto, na nossa obra, as belezas naturais que encontrámos, fossem elas uma fraga, um velho carvalho ou um vasto panorama. É de notar a preocupação que tivemos de edificar as nossas casas e situar os seus jardins em locais com boa vista, - o que não é para admirar num povo que sempre viveu nas alturas e que quase ignora o que seja a planície.

Foi talvez por este amor da natureza, que o jardim era entre nós a continuação da casa ao ar livre e estava em imediata ligação com ela, o que o desenvolvimento da casa em planta e não em altura facilitava. Quase sempre pelo menos um pequeno terraço se encontrava ao nível do andar de habitação, e as árvores dos nossos jardins emolduram e aconchegam as casas portuguesas."

Texto completo aqui.

Francisco Caldeira Cabral
Fundamentos da AP, pags 129 a 134.
Jardins de Portugal (em Panorama, n.º 15 e 16, Julho de 1943)
Características tradicionais do jardim português

A decoração fresquista do Convento dos Capuchos de Sintra

Entre vários aspectos interessantes do texto do Prof. Vítor Serrão dedicado aos murais atribuídos a André Reinoso, do Convento dos Capuchos, existe um parágrafo que levanta relativamente à obra do referido pintor maneirista dentro do espaço conventual uma questão muitíssimo pertinente. Analisemos um excerto do texto original:

"Depois de descrever a igreja e as dependências do eremitério, o anónimo poeta seiscentistas alude, na estrofe 11, às pinturas decorativas existentes no Convento dos Capuchos e ao seu autor:

Pella mão de Reinozo estão pintadas
muytas figuras de estranha excellência,
tão ricas, tão perfeitas e acabadas,
que não pode ahy auer mór eminência.
Apelles e as mãos mais celebradas
que nesta arte mostrarão mais sciencia
mais sublimada couza e mais divina.


Pese embora o tom laudatório do comentário às pinturas e ao artista que as executou, parece-nos segura a relacionação desta referência poética com os murais em causa neste breve apontamento de campo. Note-se, para mais, que o autor se não refere a "painéis", e sim a "figuras pintadas", o que não faria se se tratasse de peças de altar. Naturalmente, os "frescos" de S.Francisco de Assis e de Santo António de Lisboa são apenas os resíduos de uma decoração fresquista de maiores dimensões, estendida a outras dependências do cenóbio que não só ao exterior da capela-oratório do Cardeal D.Henrique, e hoje limitada àqueles dois murais."


O poema épico sustenta a dúvida, e Vítor Serrão afirma com autoridade: "Naturalmente, os "frescos" de S.Francisco de Assis e de Santo António de Lisboa são apenas os resíduos de uma decoração fresquista de maiores dimensões, estendida a outras dependências do cenóbio que não só ao exterior da capela-oratório do Cardeal D.Henrique, e hoje limitada àqueles dois murais"

Sabendo-se que nenhuma dependência do Convento foi demolida, onde estariam - estarão? - os restantes frescos de André Reinoso? "Escondidos" nas paredes escuras da Igreja Conventual? Ou referir-se-ia o autor do poema épico ao conjunto de murais decorativos mas não figurativos espalhados pelo interior das capelas da Cerca (Senhor do Horto, Ecce Homo / São Sebastião e Senhor Crucificado)? Serrão coloca de lado esta hipótese: "Note-se, para mais, que o autor se não refere a "painéis", e sim a "figuras pintadas", o que não faria se se tratasse de peças de altar".

Legenda, da esquerda para a direita: Murais da parede da Capela do Senhor no Horto, da parede da Capela do Ecce Homo / São Sebastião e do Altar da Capela do Senhor Crucificado (quase indecifrável).

Por outro lado, poder-se-á incluir a imagem do frade crucificado do Alpendre da Portaria no grupo das "muytas figuras de estranha excellência" atribuídas a André Reinoso? Pessoalmente desconheço a autoria da belíssima figura do frade pintado sobre cruz de madeira, embora tecnicamente - e corrijam-me se estiver enganado - não estejamos neste caso perante um "fresco", que se define grosso modo como "Técnica de pintura mural, executada sobre uma base de gesso ou nata de cal ainda húmida - por isso o nome derivado da expressão italiana fresco, de mesmo significado no português - na qual o artista deve aplicar pigmentos puros diluídos somente em água" (Wikipedia).

Trata-se de um tema da maior importância, que merecia maior e mais aprofundado estudo.