quarta-feira, 25 de março de 2009

Frei Cristovão de S. José e o túmulo dos Capuchos

Um dos veneráveis Padres que passou pelo Convento dos Capuchos de Sintra, e que ali encontrou a sua última morada, foi Frei Cristovão de São José, natural da cidade de Lisboa, "vulgarmente chamado o Biltre" (epíteto pouco próprio de um franciscano arrábido "servo de Deus").

Frei Cristovão teve uma vida cheia de episódios notáveis, viajou muito (esteve na Terra Santa, em Itália - com passagem por Roma -, França e Castela) e chegou a passar pelo cárcere, antes de rumar a Sintra, onde se internou como recoleto frade do cenóbio da Serra.

Não sei ao certo em que ano nasceu, nem aquele em que morreu, mas sei que foi contemporâneo de Caetano de Melo e Castro, 36º Vice-Rei da Índia, nascido em 1680 e falecido em 1718. Assim, diria que o episódio a que aqui aludo - o da sua morte e transladação para Sintra - se terá passado já no século XVIII.

Frei Cristovão viveu na Arrábida, e dali passou para Sintra ("Relicário de toda a Ordem Seráfica pela sua pequenez, e suma pobreza..."), onde esteve pelo período de 30 anos. Diz a Crónica da Provincia que ali viveu na cela mais escura, mais húmida e mais incómoda de todas, já que a sua mediana estatura não lhe permitia sequer estender-se nela. Na Casa de Sintra todos "lhe davam venerações de Santo".

Na maior parte dos 30 anos que viveu no Convento de Santa Cruz assumiu a função de Porteiro, contactando assim frequentemente com todos aqueles que ao cenóbio se dirigiam, em particular os pobres que ali iam buscar a sua esmola.

Exemplar no cumprimento dos estatutos da Provincia, tinha como coisas do seu uso (usus pauper) apenas uma cruz de pau que guardava na cela, dois panos menores ("que conservava há anos a poder de remendos") e dois lenços. Interessante notar que de acordo com a crónica fumava, mas não à vista dos seculares. Outros textos, posteriores a este de 1737, referem outros frades fumadores do Convento, e até um guarda meio-ermitão que já depois de 1834 ali morava, de seu nome António.

Conta a Crónica que certa vez se dirigiu ao Rei D. Pedro II - que reinou na viragem dos séculos XVII para XVIII -, a quem procurou em Alcântara, na Igreja de Nossa Senhora das Necessidades, e que o monarca atendeu o seu pedido, já que "venerava sua majestade muito ao servo de Deus pelo conceito que tinha da sua virtude...".

O mesmo texto fala de um episódio da vida de Frei Cristovão, que aconteceu no regresso de uma ida a Colares, onde havia estado com um Companheiro. Espesso nevoeiro abateu-se sobre a Serra, e os dois franciscanos acabaram por se separar, chegando o Companheiro ao Convento, ao passo que Frei Cristovão apenas no dia seguinte chegaria, sem manto nem sandálias, razão pela qual foi mandado fazer disciplina pelo Prelado.

Frei Cristovão contou depois de havia passado a noite caminhando pelos matos da Serra, não dando com o Convento apesar do Guardião ter mandado que se picasse o sino. O alforge, seu manto bem como as sandálias chegariam ao Convento dias mais tarde, depois de encontrados pela Serra por pastores.

Com perto de 80 anos de idade, doente e com a percepção de que se aproximava a hora de morrer, Frei Cristovão ocultou aos irmãos a sua "última enfermidade", mas o Guardião acabou por ter dela conhecimento, ordenando que partisse para Lisboa, onde eram tratados os frades de Sintra que adoeciam.

No caminho para Lisboa parou na Quinta do já referido Caetano de Melo e Castro (seria a de Monserrate?), e ali foi "recebido e tratado com grande amor". Vendo que a vida o deixava, Frei Cristovão pediu a uma cunhada do Vice-Rei que chamasse o seu Guardião, para lhe dar a extrema unção, e passou a noite na capela da Quinta, na companhia do Capelão da Casa.

No amanhecer seguinte chegou à Quinta do Guardião de Sintra, e ali disse Missa. A pedido de Frei Cristovão, deu-lhe a extrema unção, e depois rezou-se o Ofício da Agonia, ao qual ia respondendo. As suas últimas palavras foram "In Manus tuas, Domine, commendo Spiritum meum", precisamente as últimas sete palavras d'O Cristo antes da sua morte na Cruz (Lucas 23:46, "Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito"). Eram cerca das onze horas da manhã.

Pelas três iniciaram-se os trabalhos de transladação para o Convento, e quando o Guardião lhe pegou encontrou o corpo de Frei Cristovão tão flexível que parecia ainda animado de vida. Diz também a crónica que, achando-se sozinhas na presença do corpo, as criadas da Casa o picaram, e o sangue que saiu era tão líquido que com ele banharam lenços e paninhos, "que guardaram com estimação de preciosas relíquias". O corpo foi muitos acompanhado até ao Conventinho, onde se encontra a sua sepultura, localizada no Alpendre da Portaria, sendo um dos dois que se encontram junto à porta da Igreja conventual.

1 comentário:

  1. Boa tarde,
    antes de mais parabéns pelo blog que é muito bom e interessantíssimo.
    Gostaria de uma informação. Podem dizer-me de quem é o outro túmulo no alpendre? E se existem mais túmulos no convento.

    Obrigada

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