quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Cartas e Narrativas sobre o Convento (1)

Da obra "Portugal Illustrated"
pelo Reverendo W.M. Kinsey, B.D.
(publicada em 1829)

* * *

Na obra "Portugal Illustrated", verdadeiro livro de viagem por alguns dos mais belos lugares do nosso país, o autor refere a sua visita aos Capuchos, onde foi acolhido e guiado por aquele a quem chama "o Guardião da Fraternidade", mais tarde identificado como Frei Francisco da Circuncisão.

Refere o autor da crónica que a irmandade, da Ordem Franciscana, contava então com dezoito membros, número que variou ao longo dos últimos anos da ocupação do Convento, como veremos pela comparação com outras narrativas, pouco distantes no tempo desta que nos ocupa.

Segue-se uma descrição do Convento, que se inicia no Terreiro das Cruzes, no qual se situa o "pórtico", definido por "duas pedras de formam um arco no ponto de união". Subindo um pouco mais, o autor refere-se ao pátio fronteiro ao Alpendre da igreja conventual, e em especial à bonita fonte de água límpida ("pretty fountain of clear water"), na qual se encontrava então - no pequeno nicho de pedra hoje vazio - uma imagem de Nossa Senhora da Rocha. Onde se encontrará?

O ambiente é descrito pelo viajante como sereno, fresco e marcado pela presença das árvores da cortiça, que emprestam ao lugar uma luz especial (“dim religious light”).

Ali terá ficado o narrador, bem como aqueles que o acompanhavam, algum tempo à conversa, sendo seguidamente convidado por Frei Francisco a visitar o seu jardim de delicadas flores, onde existiam – é a narrativa que o diz – pequenos lagos contendo peixes dourados.

O autor fala-nos depois, da Capela do Senhor dos Passos (mas não do telheiro/alpendre, nem do frade crucificado pintado sobre a cruz de madeira que domina o lugar...), seguindo para a “Capela Subterrânea, que é a maior” do Convento.

Sobre a imagem d'O Cristo com a Cruz sobre as costas refere: “We observed, over the high altar, a figure of our Saviour, with a glory and crown on the head, appareled in a crimson robe of silk, and leaning upon a cross, which his long tresses of hair partially concealed. The Passion is represented on the side-walls in Dutch tiles, and the images of St. John and St. Francis appear to be regarding the holy subject with intense interest. On the outside of the altar railing, and to the left hand, is the tomb of St. Honorius, and contiguous to it, as the place of greatest distinction, the cenotaph of D. Alvaro de Castro, the founder of the convent in the year 1564, and under the papacy of Pius IV.”

A descrição é confusa, e mistura elementos da Capelinha do Alpendre com as imagens e lápide da Igreja conventual. Interessante, ainda assim, a indicação exacta da localização da última morada de Honório que é, a par de Frei Agostinho da Cruz, o mais célebre frade que viveu no Convento da Santa Cruz: "On the outside of the altar railing, and to the left hand, is the tomb of St. Honorius, and contiguous to it, as the place of greatest distinction, the cenotaph of D. Alvaro de Castro". O túmulo de Honório, aos pés da lápide evocativa dos fundadores do Convento.

Ali, naquele lugar maravilhoso, Frei Francisco entoou perante os presentes a lindíssima antífona Asperges me Domine ("Compadece-te de mim, Senhor", Salmo 51), o que foi muito do agrado dos visitantes.

"Asperges me, Domine, hyssopo, et mundabor: lavabis me, et super nivem de albabor. Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam. Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto. Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen."

O narrador refere-se ao momento nos seguintes termos: "After hearing our friend Francisco da Circumcizao chaunt the Asperges me Domine, and expressing, of course, our admiration of his fine deep bass voice, as well as of the curious pulpit, let into the wall, of his own invention, and of which he appeared extremely proud; we inspected the small narrow cells of the convent (...)".

Avançando para a zona das celas, já então visitável apesar de ocupadas pelos membros da comunidade arrábida, o narrador descreve-as como "nada mais do que cavidades na pedra, forradas de cortiça e fechadas por portas de cortiça, como protecção contra o frio e a humidade". Lamenta todavia, certamente depois de informado por Frei Francisco, que durante o Inverno nem a cortiça valha aos pobres frades, já que as pedras que entram pelas celas dentro escorrem água, devido à humidade própria do lugar, encharcando os cobertores.

Seguem-se observações do autor sobre o modo de vida no Convento: refere Kinsey, na sua narrativa sobre o Convento, que o espírito severo e ascético de Honírio havia já então abadonado a comunidade de frades. Em todo o caso, acrescenta que Frei Francisco foi o único frade que viu durante a visita, pelo que se torna difícil encontrar justificação para a sua afirmação anterior, a não ser que Frei Francisco assim o tivesse dito, o que não é referido no texto.

Para comer, os visitantes tiveram pão servido às fatias em pratos de cortiça, e para beber o famoso vinho de Colares, e depois de ouvirem Frei Francisco exaltar as qualidades de Honório, visitaram a sua Cova, localizada próxima do Convento.

Diz Kinsey que ali Honório se elevou à santidade, cumprindo uma longa penitência de trinta e cinco anos. Este período é incerto, já que outras cartas e outras narrativas referem doze anos... seja como for, muito tempo para se viver numa pequeníssima cova formada por blocos graníticos serranos.

O texto prossegue com a transcrição dos versos de Southey dedicados a Honório, e que dizem assim:

"(...) Yet! mock not thou,
Stranger, the anchorite's mistaken zeal!
He painfully his painful duties kept,
Sincere though erring. Stranger, dost thou keep
Thy better, easier law but half as well?"

E assim termina o texto do Reverendo W.M. Kinsey, que prosseguiu a sua viagem por terras portuguesas.

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