Todavia, de entre todas aquelas que conheço, nenhuma me parece mais explicitamente dura do que a carta (n.º XII) escrita por Carl Israel Ruders no seu livro "Viagem a Portugal". Ruders visitou os Capuchos durante uma deslocação a Sintra, e expressou na descrição da sua passagem pelo lugar toda a falta de empatia estabelecida entre si e o cenóbio franciscano.
Do Convento diz ter "as vistas mais feias que se pode ver" e que é "feio e insignificante". Sobre os frades, emprega um tom jocoso quando se refere à forma como estes se afastam do destino de Honório, o qual reverenciam como Santo.
O tom do texto é transversalmente marcado por uma enorme dissonância entre o espírito dos Capuchos de Sintra e a forma de ser e estar de Ruders, num registo que revela elevada falta de comunicação directa do Convento ao coração do sacerdote sueco, e vice-versa.
Fica ainda assim, porque se trata de um registo histórico que importa conservar, o excerto do texto da carta XII de Carl Israel Ruders que se refere ao Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra.
Da obra "Viagem a Portugal (1798-1802)"
por Carl Israel Ruders
Carta XII
Edição da Biblioteca Nacional de Portugal, páginas 134-135
O caminho é arenoso, estreito e mau; as vistas são das mais feias que se podem ver. Quase não há árvores, nem outras plantas, nem morada de gente. Uma porção de terra selvagem, árida e monótona, onde os olhos, em vão, procuram um sítio agradável para descansar. (...)
O edifício do Convento é, na sua maior parte, talhado na própria rocha. É feio e insignificante. As janelas são simples frestas, através das quais a luz penetra obliquamente.
Por causa da humidade que ali reina constantemente, todas as paredes estão forradas de cortiça.
Vivem ali, pouco mais ou menos, 16 frades franciscanos, que se alimentam de peixe, pão e fruta. Para recreio, possuem um pequeno terraço com acentos de musgo.
As celas, subterrâneas, são bastante pequenas, e dois cobertores compoêm-lhe toda a roupa da cama.
Na igreja não há coisas notáveis. Mostraram-nos, porém, uma abertura cavada na rocha, onde uma pessoa não podia conservar-se em pé sem curvar, nem deitar-se ao comprido, e onde, no entanto, um monge viveu 16 anos.
Dentro dela havia uma pedra e algumas folhas secas. A pedra servia-lhe de travesseiro e de cadeira, as folhas, as roupas da cama (É com a maior dificuldade que a gente consegue trepar a essa abertura). Devido a esta existência de abnegação e sacríficio, esse monge é venerado como Santo pelos seus irmãos da mesma Ordem, os quais, no entanto, não se sentem com grandes tentações de ir-lhe ocupar o domícilio. Valha a verdade que eles já estão suficientemente privados de comodidades de vida, pelo facto de passarem os seus dias neste missérimo convento".
Quem foi Carl Israel Ruders?
(Fonte: Site da Embaixada da Suécia em Portugal)
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